Por que é importante assinar a Declaração de Washington sobre Propriedade Intelectual e Interesse Público?

0
289

 O debate sobre a proteção da propriedade intelectual tem se acirrado nos últimos anos, contexto em que a Economia do Conhecimento ganha força, amplia-se o potencial estratégico das políticas de fomento à inovação e à criatividade, que, ao invés do que se pensava no momento da concepção do sistema atual de PI, podem ser respaldadas por iniciativas de inovação aberta e acesso livre ao conhecimento. Nesse sentido, é paradigmático o texto do relatório produzido pelo Prof Ian Hargreaves para o Escritório de Propriedade Intelectual do Reino Unido. Entitulado  Digital Opportunity, a review on IP and growth, o relatório atesta que as leis delineadas há mais de três séculos atrás com o objetivo expresso de criar incentivos econômicos para inovação ao proteger os direitos dos criadores, atualmente, estão obstruindo a inovação e o crescimento econômico.

Se por um lado as mais recentes teorias de inovação e fomento à industria criativa questionam o sistema atual de PI, críticas ainda mais pontuais e contundentes podem ser feitas no âmbito das teorias desenvolvimentistas, ao levar em conta questões dos diferentes níveis de desenvolvimento no debate da proteção da propriedade intelectual. Nesse sentido, Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) criou o Comitê sobre Desenvolvimento e Propriedade Intelectual (CDIP) na tentativa de balancear o debate da proteção com o debate do acesso ao conhecimento.

O Brasil tem tido papel substancial nesse debate internacional na OMPI, puxando os temas da Agenda do Desenvolvimento para os diversos Comitês da organização. E nesse mesmo sentido, recentemente, se pronunciou a presidenta Dilma Roussef, ao questionar patenteamento de medicamentos de doenças crônicas na ONU.

Não obstante, questionar o sistema atual ainda é uma luta árdua e se a teoria e alguns discursos políticos vem apontando para tal conclusões críticas, ainda é diferente o que se vivencia na prática. O velho modelo de negócios da indústria fonográfica e do audiovisual, ao invés de se repensar no contexto atual das novas tecnologias, exerce forte lobby, tanto nos governos dos países desenvolvidos, quanto nos países em desenvolvimento, como tem sido o caso do Brasil que, paradoxalmente com o posicionamento internacional, tem sentido retrocessos no processo de reforma da lei de direitos autorais. O mesmo ocorre com o lobby da indústria farmacéutica, de software e de detentores de outras tecnologias essenciais para solucionar questões de saúde pública, educação, mitigação de mudanças climáticas, etc .

Esse lobby tem resultado em políticas nada razoáveis de “enforcement”, que prevêem medidas desproporciais, como, a exemplo da França, a desconexão de usuários de internet por download de conteúdo protegido por direito de autor. Ou ainda tem impulsionado tratados que, dado ao aumento do poder de barganha dos países emergentes nos foros multilaterais de negociação internacional, como a ONU ou OMC, têm sido negociados em segredo, como o ACTA, ou simplesmente de maneira bilateral, aproveitando as assimetrias de poder e prejudicando ainda mais questões de acesso ao conhecimento, a medicamentos, etc.

Diante deste contexto, o Congresso Global sobre Propriedade Intelectual e Interesse Público, que aconteceu em Washington DC entre 25 a 27 agosto de 2011, reuniu mais de 180 especialistas de 32 países e seis continentes para ajudar a rearticular a dimensão de interesse público no debate sobre políticas de propriedade intelectual e criar uma Agenda Positiva para debater o tema, em oposição à Agenda do Enforcement.

O texto a seguir registra as conclusões do Congresso, entitulado de Declaração de Washington sobre Propriedade Intelectual e Interesse Público, está agora aberto para assinaturas e comentários em http://infojustice.org/washington-declaration

—–

Preâmbulo

Nos últimos 25 anos operou-se uma expansão sem precedentes da concentração da autoridade legal exercida pelos detentores de direitos de propriedade intelectual. Essa expansão foi impulsionada pelos governos dos países desenvolvidos e por organizações internacionais que adotaram a maximização do controle sobre a propriedade intelectual como um princípio fundamental de política pública. Cada vez mais, essa visão tem sido exportada para o resto do mundo.

No mesmo período, coalizões de grupos da sociedade civil, bem como governos de países em desenvolvimento, emergiram na promoção de abordagens mais equilibradas para a proteção da propriedade intelectual. Essas coalizões têm apoiado novas iniciativas para a promoção da inovação e da criatividade, aproveitando as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias. Até agora, contudo, nem os substanciais riscos do maximalismo da propriedade intelectual, nem os benefícios de abordagens mais abertas são adequadamente compreendidos pela maioria dos responsáveis pela formulação de políticas públicas ou pelos cidadãos. Isto deve mudar se quisermos preservar uma noção de um interesse público que seja distinta de um interesse privado dominante.

A próxima década provavelmente será determinante. Um quarto de século de mudanças adversas no sistema internacional de propriedade intelectual estão à beira de se tornar efetivamente irreversíveis, pelo menos nas vidas das gerações atuais. A propriedade intelectual pode promover a inovação, a criatividade e o desenvolvimento cultural, mas um velho provérbio ensina que “coisas em excesso, tornan-se seu oposto”, e essa máxima certamente se aplica aqui. O ônus recai sobre defensores do interesse público, que devem fazer uma defesa coordenada, baseada em evidências, para o reexame crítico do maximalismo da propriedade intelectual em todos os níveis de governo e em cada contexto institucional apropriado, bem como buscar alternativas que possam atenuar a força do expansionismo da propriedade intelectual.

Começamos a nossa declaração das conclusões do Congresso com dois pontos fundamentais:

  • A política internacional de propriedade intelectual afeta uma ampla gama de interesses dentro da sociedade, não apenas os dos detentores de direitos. Desta maneira, a formulação de políticas de propriedade intelectual deve ser realizada com mecanismos de transparência e abertura que incentivem a ampla participação do público. Novas regras devem ser feitas dentro dos fóruns existentes responsáveis pela política de propriedade intelectual, onde tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento tenham representação plena, e onde textos e fóruns sejam abertos para a consideração de propostas. Todos os novos padrões internacionais de propriedade intelectual devem ser submetidos a freios e contrapesos democráticos, incluindo a aprovação legislativa doméstica e oportunidades para a revisão judicial.
  • Não se pode confiar que os mercados por si só alcancem uma alocação justa dos bens intelectuais – isso é, que promovam toda a gama de valores humanos que estão em jogo nos sistemas de propriedade intelectual. Isso fica claro, por exemplo, a partir de recentes experiências nas áreas de saúde pública e educação, onde a propriedade intelectual tem dificultado o progresso em direção ao atendimento dessas necessidades públicas básicas.

Informado por esses dois pontos gerais, o Congresso aprovou uma série de recomendações específicas para ação, que são expressas abaixo.

Colocando a Propriedade Intelectual em seu lugar

Os sistemas de propriedade intelectual são concebidos para atender a valores humanos e devem ser direcionados para esse fim. A expansão dos direitos e medidas judiciais relativos à propriedade intelectual pode entrar em conflito com as doutrinas jurídicas que expressam e salvaguardam esses valores, incluindo os direitos humanos, defesa do consumidor e as leis de concorrência e privacidade. Essas leis fornecem uma moldura na qual os direitos de propriedade intelectual devem ser elaborados, interpretados e aplicados. Em particular, deveríamos agir para:

  • Diante das expansões no escopo de aplicação dos direitos autorais e de marca, promover e proteger os direitos de liberdade de expressão e procurar, receber e transmitir informações, inclusive no ambiente digital.
  • Diante da rápida escalada da aplicação de medidas de proteção da propriedade intelectual, respeitar os direitos ao devido processo e a um julgamento justo. Insistir na provisão de parâmetros de prova adequados, de audiências justas, de juízes imparciais, no direito de apresentar provas e confrontar acusadores, na proporcionalidade nas penas e no escrutínio rigoroso da responsabilidade sobre atribuições públicas delegadas a atores privados.
  • Usar os direitos humanos, incluindo os direitos civis, políticos, sociais e econômicos, para controlar expansões dos direitos de propriedade intelectual que ameaçem o acesso a bens intelectuais e serviços essenciais.
  • Usar todos os modelos regulatórios disponíveis para controlar os abusos dos direitos de propriedade intelectual, incluindo mecanismos que protejam os consumidores, controlem preços excessivos, previnam condutas anti-concorrenciais, regulem o licenciamento, as condições contratuais e o acesso aberto para questões essenciais.
  • Proteger os conhecimentos e as expressões culturais tradicionais contra sua indevida apropriação por meio de direitos de propriedade intelectual.

Valorizando a Abertura e o Domínio Público

Direitos autorais e patentes são direitos limitados no tempo porque o interesse público exige que trabalhos criativos e inovadores no fim das contas se tornem livres para todos utilizarem como parte do domínio público. O domínio público serve como uma fundação centralizadora do patrimônio cultural e do conhecimento científico na qual futuros criadores e inventores necessariamente se baseiam. Diante disso, grupos de movimentos da sociedade civil têm sido criados para promover os benefícios do domínio público ou da abertura, inclusive por meio de licenciamento aberto, acesso livre, recursos educacionais abertos, dados abertos, padrões abertos, governo aberto e outras políticas relacionadas com a informação aberta. Para promover esses esforços e outros como eles, deveríamos:

  • Defender uma moratória permanente sobre novas extensões dos prazos de proteção dos direitos autorais e conexos e das patentes.
  • Exigir que investimentos governamentais e políticas de educação considerem os Software Livres em pé de igualdade competitiva com os softwares proprietários.
  • Apoiar iniciativas privadas que aumentem o acesso por meio de licenças ou termos de uso que permitam o ampliação do uso público ou por de modelos alternativos de publicação e distribuição.
  • Apoiar os valores de interoperabilidade e preservação a longo prazo, exigindo o uso de padrões abertos para informações produzidas por ou para entidades públicas.
  • Apoiar o uso de recursos educacionais abertos por meio de políticas de compras governamentais de livros didáticos e outros materiais educativos, e por meio de incentivos para gerar recursos abertos em todos os níveis da educação.
  • Insistir em políticas que garantam o acesso público gratuito e irrestrito a todos os empreendimentos financiados pelo governo, como os resultados de pesquisas com financiamento público, dados coletados pelo governo, obras culturais apoiadas por fundos públicos e coleções e arquivos financiados pelo poder público.

Fortalecendo as Limitações e Exceções

Limitações e exceções são doutrinas permissivas positivas que funcionam para garantir que o direito de propriedade intelectual cumpra o seu propósito último de promover os aspectos essenciais do interesse público. Ao limitar o direito privado, as limitações e exceções permitem que o público se envolva em uma ampla gama de usos socialmente benéficos da informação, que de outra forma estariam restritos por direitos de propriedade intelectual – usos que por sua vez contribuem diretamente para a inovação e o desenvolvimento econômico. As limitações e exceções estão entrelaçadas no tecido dos direitos de propriedade intelectual não apenas como doutrinas específicas de caráter excepcional (“uso justo” ou “negociação justa”, “isenções específicas”, etc.), mas também como restrições estruturais no escopo desses direitos, tais como provisões para o licenciamento compulsório de patentes para medicamentos necessários. Apesar da sua importância na luta contra as tendências expansivas da proteção da propriedade intelectual, limitações e exceções estão sob ameaça, principalmente frente aos esforços de reformulação do direito internacional como uma restrição ao exercício dessas flexibilidades na legislação nacional. Os signatários desta declaração apoiam firmemente os esforços para defender e expandir, conforme for apropriado, o escopo das limitações e exceções nos próximos anos. Especificamente, deveríamos trabalhar para:

  • Continuar os esforços para assegurar que o direito internacional seja interpretado de maneiras que os Estados tenham a maior flexibilidade possível na adoção de limitações e exceções que se mostrem apropriadas às suas circunstâncias culturais e econômicas.
  • Apoiar o desenvolvimento de acordos internacionais vinculantes que prevejam limitações e exceções mínimas obrigatórias.
  • Promover o debate sobre a previsão de limitações “em aberto” nas legislações nacionais de direitos autorais, indo além das exceções específicas.
  • Desenvolver regimes jurídicos que abordem diretamente as necessidades das pessoas com condições médicas e deficiências específicas, incluindo aqueles com deficiência para leitura de textos.
  • Promover limitações e exceções que permitam que bibliotecas, museus, arquivos e outras “instituições de memória” cumpram suas missões de interesse público, garantindo que instituições culturais e educacionais tirem proveito dessas flexibilidades.
  • Capacitar ensino e aprendizagem em todos os níveis, inclusive por medidas que garantam o acesso e uso justo de materiais educativos desde a inicial alfabetização no ambiente familiar até instituições de ensino fundamental, médio e superior.
  • Defender o princípio de “exaustão” doméstica (ou “primeira venda”) na legislação nacional e a liberdade dos países escolherem implementar a exaustão internacional ou regional para facilitar a importação paralela.
  • Facilitar o uso de obras “órfãs” ou esgotadas, e outras categorias de conteúdo de difícil acesso, e garantir a liberdade de pesquisadores se envolverem em pesquisa de mineração de texto (ou “não consumista”) de larga escala.
  • Explorar os benefícios de manter ou reintroduzir requisitos formais (tais como notificação e registro) para indivíduos e entidades que reclamem os benefícios da proteção de direitos autorais.
  • Defender limites apropriados para previsões contratuais injustas ou medidas tecnológicas de proteção que desrespeitem as limitações e exceções à proteção da propriedade intelectual.

Definindo Prioridades de Interesse Público para a Reforma do Sistema de Patentes

Em uma época de rápidas mudanças tecnológicas, o sistema de patentes tem apresentado sérios problemas. Em alguns setores, padrões muito baixos de patenteamento e uma proliferação de patentes de validade questionável têm alimentado uma cultura de concorrência por meio de intimidação e litígios, ao invés de inovação. Mesmo quando os requisitos de patenteabilidade são aplicados de maneira restrita, o sistema internacional de patentes se tornou rígido e unitário demais para responder às diversas necessidades de um mundo complexo. Um sistema mais eficaz e gerenciável para promover a inovação tecnológica e científica deve ser construído em torno de uma estrutura mais diversificada de incentivos para a inovação. Especificamente, deveríamos trabalhar para:

  • Destinar recursos públicos para modelos de incentivo não baseados em patentes, tais como prêmios para inovação, especialmente em áreas nas quais os incentivos das patentes se revelaram insuficientes, como na pesquisa em doenças negligenciadas e no oferecimento de acesso eficiente, em termos de custo e benefício, a medicamentos em países em desenvolvimento.
  • Implementar reformas que limitem a concessão ou manutenção de direitos patentários quando não justificados pelos benefícios em rede para o público, incluindo a introdução ou preservação das possibilidades de questionamento de patentes concedidas e pendentes; escrutínio mais rígido da matéria patenteável, incluindo cancelar patentes baseadas em descobertas e não em invenções (inclusive patentes para sequências de DNA humano e para associações de doença); e determinação mais rigorosa do conceito de inventividade.
  • Assegurar que as invenções resultantes de pesquisa com financiamento público estejam disponíveis para uso público.
  • Introduzir isenções significativas para usos educacionais e de pesquisa nas legislações nacionais.
  • Promover a transparência na documentação de titularidade e de licenciamento de patentes, especialmente no que diz respeito às tecnologias-chave como os medicamentos.

Apoiando a Criatividade Cultural

Maximizar oportunidades para a criatividade e maximizar o acesso a obras criativas são os dois lados do interesse público na vida cultural. É cada vez mais claro, no entanto, que o sistema de propriedade intelectual existente funciona mal em ambas as frentes, especialmente no que diz respeito às tecnologias digitais. À medida que modelos baseados em vendas de mídia gravada sofrem a pressão de novas tecnologias, uma maior amplitude de modelos para a recompensação de autores e artistas e garantia de seus direitos é necessária. De modo mais geral, deveríamos incentivar a experimentação ampla no mercado e, no mínimo, uma política de neutralidade em relação a modelos de negócios novos e antigos. Tal inovação pode ajudar a acabar com as atuais disputas infrutíferas sobre práticas como o compartilhamento não-comercial de arquivos e impedir que surjam novas disputas. Neste contexto, deveríamos apoiar as iniciativas para:

  • Incentivar a experimentação e pesquisa sobre sistemas de recompensas indiretos, como impostos sobre meios de comunicação, equipamentos, ou uso.
  • Exigir uma maior transparência, responsabilização, democratização interna e supervisão pública por parte de organizações de gestão de direitos coletivos.
  • Reconhecer o papel contínuo do financiamento público para os tipos de produção consideradas socialmente valiosas e sistematicamente sub-provisionados pelo mercado, como a pequena atividade de cultura audiovisual, musical e artística.
  • Fortalecer a posição contratual dos autores e artistas diante de produtores por meios tais como renegociação dos termos e reivindicação de direitos em caso de não utilização ou após um período definido de tempo, e exigindo uma maior transparência nos contratos.
  • Desenvolver a capacidade dos autores e artistas licenciarem suas obras diretamente para o público.
  • Encorajar o estabelecimento de sistemas de administração da informação publicamente acessíveis que assegurem que artistas e autores possam ser identificados.

Controlando excessos na execução da lei

A agenda da propriedade intelectual maximalista inclui defesa ferrenha da aplicação rigorosa da lei – em tribunais, na rua, nas fronteiras e agora na Internet. O governo e a iniciativa estão aplicando grandes recursos sociais a fim de impor penalidades mais rigorosas do que nunca, com menos salvaguardas e menos justiça procedimental.  Esta tendência na aplicação d lei coloca a propriedade intelectual em conflito cada vez mais nítido com outros direitos e objetivos de política pública, incluindo a proteção da privacidade e liberdade de expressão, a garantia do devido processo e a promoção de saúde e educação.  Isso cria novos riscos de buscas e apreensões injustas. E ameaça a arquitetura descentralizada original – e extremamente valiosa – da Internet, uma vez que os prestadores de serviços de Internet estão cada vez mais sendo convocados a atuar como aplicadores da lei. Reconhecendo a importância da aplicação razoável de direitos de propriedade intelectual devidamente delimitados, deveríamos trabalhar para:

  • Assegurar que as sanções, processos e remédios legais sejam razoáveis ​​e proporcionais para os atos de infração a que se dirigem e não incluam restrições ao acesso a bens e serviços essenciais, incluindo acesso à Internet, a medicamentos necessários ou a materiais de aprendizagem.
  • Promover abordagens proporcionais de aplicação da lei que evitem atuações excessivamente punitivas, tais como danos legais desproporcionais; uma expansão indevida de responsabilidade civil e criminal de terceiros; e um aumento dramático no poder das autoridades para ordenar, apreender e destruir mercadorias sem garantias processuais adequadas.
  • Assegurar que os países mantenham o direito de flexibilizar as medidas de aplicação da lei e de tomar decisões independentes sobre a priorização dos recursos de execução da lei para a promoção dos interesses públicos.
  • Limitar os deveres, direitos ou habilidades dos prestadores de serviços de Internet de monitorar ou controlar as comunicações de seus usuários com base no conteúdo dessas comunicações.
  • Garantir que os acordos e protocolos entre indivíduos, intermediários, titulares de direitos, provedores de tecnologia e governos relativos à aplicação na Internet sejam transparentes, justos e claros.
  • Assegurar que as autoridades públicas retenham e exerçam a supervisão rigorosa de funções críticas de aplicação da lei, incluindo policiamento, execução criminal e decisões judiciais em caráter final.

Implementando Agendas do Desenvolvimento

Atualmente, o desenvolvimento é amplamente reconhecido como uma preocupação central nos debates mundiais sobre propriedade intelectual. A história e a experiência ensinam que cada aumento na proteção da propriedade intelectual, especialmente nos países em desenvolvimento, não conduz necessariamente a aumentos de investimento, inovação ou bem-estar. Ainda que imperfeitamente, o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), de 1994, preservou algum espaço político para que os países pudessem adaptar a propriedade intelectual às suas prioridades de política interna, conforme o afirmado na Declaração de Doha de 2001 sobre TRIPS e Saúde Pública. Em 2007, a Agenda do Desenvolvimento da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) também ressaltou a necessidade de integrar plenamente a dimensão do desenvolvimento na política de propriedade intelectual e de definição de normas. Além disso, há uma necessidade de que outras agendas de desenvolvimento permeiem todos os níveis nacionais e internacionais de políticas sobre propriedade intelectual. Portanto, devemos:

  • Insistir para que as propostas atuais de direito autoral global e reforma das patentes integrem plenamente as preocupações de desenvolvimento e avaliem as implicações nos países em desenvolvimento.
  • Assegurar que as recomendações da Agenda do Desenvolvimento da OMPI sejam totalmente implementadas em todas as áreas de funcionamento da organização de forma que resultem em mudanças tangíveis na cultura institucional da organização.
  • Insistir em total transparência e responsabilidade dos provedores bilaterais, regionais e multilaterais de assistência técnica de propriedade intelectual.
  • Encorajar os esforços dos países em desenvolvimento para uma maior utilização de flexibilizações, exceções e limitações à propriedade intelectual para promover os objetivos da política pública em áreas como saúde, educação, agricultura, alimentação e transferência de tecnologia.
  • Convidar os países que estão considerando a adoção de estratégias de propriedade intelectual para garantir que tais estratégias sejam o resultado de um processo inclusivo de consulta e sejam fiéis a prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento.
  • Auxiliar a extensão da renúncia de transição do TRIPS para os Países Menos Desenvolvidos.
  • Encorajar países desenvolvidos a tomar medidas mais eficazes a fim de implementar os seus compromissos multilaterais em relação à transferência de tecnologia, inclusive por meio de mecanismos de monitoramento e da abordagem direta das possíveis barreiras criadas por direitos de propriedade intelectual.
  • Incentivar a cooperação Sul-Sul nas áreas de propriedade intelectual e inovação para que os países com níveis semelhantes de desenvolvimento possam se beneficiar de suas próprias experiências uns com os outros.
  • Marcar uma avaliação, de caráter independente, a respeito dos efeitos sobre o desenvolvimento dos países frente aos compromissos assumidos nos acordos bilaterais, regionais e multilaterais de propriedade intelectual.
  • Promover uma profunda revisão do TRIPS para possíveis emendas tendo em vista garantir a operacionalização eficaz dos seus objetivos e princípios.

Exigindo a formulação de políticas públicas baseadas em evidência

A maioria concordaria que a pesquisa utilizada na formulação de políticas públicas deveria atender aos padrões básicos de transparência. Ainda assim, os debates da política de propriedade intelectual das últimas duas décadas não o fizeram. A pesquisa financiada pela indústria domina as conversas sobre a política de propriedade intelectual, e ainda assim praticamente nenhum dos grandes estudos patrocinados pela indústria documenta seus métodos, pressupostos ou dados subjacentes em qualquer detalhe. As instituições responsáveis ​​pela formulação da política de propriedade intelectual não conseguiram exercer pressão suficiente para transparência ou qualidade – e em muitos casos têm contado com estatísticas desacreditadas em suas próprias declarações. A fraqueza da evidência nessa área é agora amplamente reconhecida e põe em questão a legitimidade de grande parte das políticas expansionistas de propriedade intelectual do último quarto de século. Países em desenvolvimento estão duplamente em desvantagem neste contexto, devido a lacunas mais amplas na pesquisa doméstica sobre propriedade intelectual. Neste contexto, deveríamos agir para assegurar que:

  • A formulação de política seja baseada em pesquisa, em vez de fé ou ideologia.
  • A pesquisa utilizada na formulação de políticas seja totalmente transparente, com métodos, suposições, fontes de financiamento e dados subjacentes publicamente documentados.
  • Os governos e as organizações internacionais invistam na coleta de dados para permitir melhores estimativas dos custos e benefícios das regras de propriedade intelectual, incluindo os custos públicos e privados de aplicação.
  • Os esforços para quantificar o valor econômico da propriedade intelectual devem refletir o valor econômico atribuível às atividades viabilizadas pelas limitações e exceções aos direitos de propriedade intelectual, pelas políticas e práticas de abertura e pelo domínio público.

O Congresso Mundial foi organizado pelo Program on Information Justice and Intellectual Property da Faculdade de Direito de Washington da American University, pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (Brasil), pela  American Assembly da Columbia University e pelo International Centre for Trade (Genebra). O Congresso foi patrocinado pelo Centro Internacional de Desenvolvimento de Pesquisa, Google Inc., Fundação Sociedade Aberta, o Instituto para Estudos Globais e Internacionais da George Washington University, e pela Escola de Direito da Universidade de Seattle. Informações adicionais sobre o Congresso, incluindo bibliotecas on-line de materiais que refletem sobre os temas articulados na presente Declaração, estão disponíveis em http://infojustice.org/public-events/global-congress

Tradução: Walter Britto, Revisão: Joan Varon

Receba nossas atualizações
Fique por dentro de todas as notícias e novidades do mundo da tecnologia!

Deixe uma resposta